sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Glotofagia

As línguas têm paladar. Degustam-se como o melhor vinho ou a mais áspera zurrapa.
O inglês, por exemplo (e caindo irremediavelmente num cliché) tem o sabor das 5 o'clock, do chá com biscoitos. Mastiga-se com comedimento e politeness. O inglês americano é, pelo contrário, fácil, rápido, devora-se como comida de plástico, a mordidelas frenéticas e impacientes.
O francês é escorregadio como um caracol e deixa-nos um sabor amanteigado que demora.
O russo, esse, é a língua do amor, do amor até ao enjoo. Falar russo é como comer gomas gordurentas e esponjosas num parque de diversões, abraçados a um peluche cor-de-rosa.
Já o romeno é vinho. Vinho quente com especiarias abençoadas. É a língua de Deus.
O turco, por sua vez, é a língua do inimigo - düşman - e o fruto proibido. Ouvir falar turco é um doce-amargo, é deleite e desagrado, atraente e repelente gustativo.
O português sabe a tijolo, e a pedra, e a mar, e à erva do campo. Sabe às coisas que tocamos, pequenas e gigantes, sabe a nós.

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